Quarentena - Memórias de um país confinado - Portugal

20-08-2020

Acho que todos desconfiávamos que mais cedo ou mais tarde algo assim iria acontecer. Mas também acho que nunca levámos essa possibilidade a sério; e abusámos e puxámos até ao limite como crianças a desafiar os pais quando querem um brinquedo novo - e ela fartou se. A Terra, fartou-se disso, pôs-nos de castigo e disse que não podíamos sair do nosso quarto.

E no caminho perdemos estrelas. Eu, eu perdi a minha Estrela, eu perdi o meu Sol, e o que é uma lua sem um sol para a iluminar e sem uma estrela para a acompanhar? E eles disseram-me que ia passar, eles prometeram que eu ia conseguir voltar a andar e disseram-me para não temer o que ainda estava por chegar, mas eu hesitei. Eu hesitei e temi e chorei e voltei a recear o que ainda estava por chegar porque eu sabia que ia chegar o dia em que eu ia olhar para trás e arrepender-me de não ter sorrido para eles enquanto ainda era tempo e enquanto eu ainda era capaz porque agora deito-me numa cama de hospital, com pessoas que nunca vi na minha vida e imagino onde estará a minha Estrela e o meu Sol e penso se estarão em casa a rezar ou se estarão no quarto ao lado a chorar os seus próprios fins.

E a Terra prometeu me, entre sonhos e pesadelos, entre vida e o que me resta dela, que tudo iria passar.

Inês Cardoso Esteves


Da minha varanda, vejo as árvores a serem fustigadas pelo vento forte. Não existe confinamento para o que nos inunda de gravidade. Digo: a terra. Novos silêncios e partículas muito frágeis começaram a nascer no sonambulismo que estava esquecido. As cidades desoladas, esqueceram os pés em todas as ruas. Mas, e voltando ao vento, digo apenas, que nada estrangula a fúria da esperança. E nesta paciência que lambe paixões muito espessas, estremeço nas palavras que não contaminam.

Portanto, basta escrever.

Ricardo Novais

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